
Há
exatos 15 anos ocorria o massacre de Eldorado do Carajás. Dezenove integrantes
do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) foram mortos pela polícia
do Pará durante uma manifestação contra os atrasos na reforma agrária.
Nesta entrevista, João Pedro Stedile, um dos coordenadores do MST, relembra o
episódio, nega enfraquecimento do grupo e ataca ruralistas e a mídia.
Para
ele, a redução no número de famílias acampadas é resultado da lentidão da
reforma, não do Bolsa Família. "Nossa burguesia agrária é lúmpen. Quer
ganhar dinheiro sempre mamando nas tetas do Estado."
Stedile, 57, faz um balanço do movimento, dos problemas da reforma agrária e da
agricultura. Condena o uso de agrotóxicos e de sementes geneticamente
modificadas -- produtos presentes em alguns assentamentos. Fala sobre a disputa
política dentro do governo Dilma, no Incra e no debate sobre mudanças no código
florestal.
Folha - Neste momento, o MST promove uma série de manifestações e
eventos para lembrar o massacre de Eldorado do Carajás, de 17 de abril de 1996.
O que mudou de lá para cá no movimento, na estrutura agrária, na repressão ao
movimento, na sua imagem pública?
João Pedro Stedile - Durante o governo FHC, as oligarquias se sentiram
impunes e fortalecidas com a hegemonia completa das ideias neoliberais. Então,
provocaram diversos massacres para impor sua visão de mundo e tentar impedir a
organização dos pobres com a repressão bruta. No campo, foram Corumbiara e
Carajás, além de outros na cidade.
O padrão de violência física no campo diminuiu. Não há mais tantos
assassinatos, mas cresceu no ano passado. As forças policiais também estão em
menor número a serviço do latifúndio, pois temos mais governos estaduais
progressistas. Lamento que ainda tenhamos alguns governadores que não
aprenderam que PM não é para resolver conflito social.
Temos a situação de que, infelizmente, nenhum dos culpados do Massacre de
Carajás tenha sido punido. Esperamos que o STF julgue logo o recurso e coloque
os comandantes do massacre na cadeia.
Lutar na semana de 17 de abril é uma necessidade para avançar a reforma
agrária. É uma obrigação legal, já que, envergonhado, o presidente FHC, antes
de sair, assinou um decreto definindo essa data como dia nacional de luta pela
reforma agrária. Nós continuaremos fazendo nossa parte, organizando os pobres
do campo para que tenham consciência de seus direitos e lutem para ter acesso a
terra.
Depois de um período de grandes marchas e ocupações de terras, nos anos
1990, o MST parece viver um outro momento. O MST está decadente?
A grande imprensa e os latifundiários é que gostariam que o movimento
estivesse decadente. Nos últimos dois governos FHC e Lula, mantivemos a mesma
média anual de 280 ocupações por ano. O MST continua forte, sendo um dos
principais movimentos sociais da América Latina, com unidade e iniciativas em
diversas áreas. O que pode mudar, num e noutro Estado e região, são as formas
de luta. Durante o governo Lula, fizemos duas grandes marchas a Brasília para
pressionar a reforma agrária.
O Bolsa Família e a ascensão social de uma parcela da população pobre
esvaziam o movimento?
Não. Existem no Brasil ao redor de 4 milhões de famílias de trabalhadores
na agricultura, que são pobres e não têm terra. Nossa obrigação social é
organizá-los para que lutem. Na região Nordeste, onde tem mais Bolsa Família, é
onde o MST tem mais acampados. O que diminuiu o número de famílias acampadas
foi a lentidão do governo em realizar a reforma agrária. Se as pessoas não veem
expectativa de sair logo a terra, têm mais dificuldade de ir acampar. No
entanto, continuam querendo a terra.
O sr. fez várias críticas ao governo Lula, que se classificava como de
esquerda. Disse que ele pouco fez pela reforma agrária. Qual sua explicação?
O governo Lula foi um governo de composição política e de classes.
Infelizmente, os setores do agronegócio tiveram muita força política no
governo. Por outro lado, o Ministério do Desenvolvimento Agrário se preocupou
com um milhão de famílias de camponeses com terra, que acessam ao Pronaf
[Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar].
O governo não conseguiu fazer com que Incra se transformasse em órgão para
cuidar efetivamente das demandas da reforma agrária. A política de reforma
agrária ficou sendo um ação periférica dentro do governo, sem peso político.
A maior parte das 4 milhões de famílias sem terra, e os 3,8 milhões de famílias
que tem menos de dez hectares não acessaram políticas públicas agrícolas que
pudessem aumentar a renda e se desenvolverem durante o governo Lula.
Houve avanços com o programa "Luz para Todos" e no programa de
aquisição de alimentos da Conab, além de algumas iniciativas na área da
educação. Em resumo, o governo Lula não priorizou a reforma agrária.
Qual sua expectativa em relação ao governo Dilma Rousseff? Ela vai atender
as demandas do movimento? A reforma agrária será acelerada?
Nós acreditamos que governo Dilma pode melhorar em alguns aspectos. Até
porque pior do que está seria difícil. Pior seria apenas com [José] Serra
[candidato derrotado à Presidência] e os tucanos.
Gostamos que a presidenta colocou como prioridade de seu governo a superação da
pobreza. No campo, para tirar os milhões de pobres da pobreza, precisa
distribuir terras e organizar programas de universalização da educação no
campo, programas de desenvolvimento dos assentamentos com agroindústria,
crédito e reflorestamento.
Em relação aos governos Lula e FHC como o sr. qualifica a presidente? À
esquerda de Lula? À direita? E em relação a FHC?
O governo FHC foi um governo neoliberal privatista totalmente subordinado
aos interesses do grande capital e dos Estados Unidos. Uma vergonha. O governo
Lula mudou a política de neoliberalismo de FHC, com uma outra visão do papel do
Estado. Mas ainda é um governo de transição, de composição política, com forte
aliança com o grande capital.
Espero que o governo Dilma avance mais. Apesar de também ser um governo de
composição de classes, esperamos que a presidenta possa realizar um programa
que de fato represente um novo projeto de desenvolvimento para o país, baseado
na distribuição verdadeira de riqueza e de renda.
Ela não pode ser apenas o continuísmo do Lula, porque precisa ser melhor. Pois
os problemas da pobreza não se resolvem apenas com medidas paliativas. Precisa
ter mudanças estruturais na reforma agrária, na universalização do acesso à
educação, superação do analfabetismo, no investimento produtivo que gere
milhões de emprego com renda, democratização dos meios de comunicação e na
valorização do salário mínimo e na redução da jornada de trabalho.
Os adversários da reforma agrária alegam que a produtividade das
grandes propriedades, do agronegócio, é tão maior que derruba os argumentos
pela divisão de terras. O Brasil, segundo eles, teria sua produção agrícola
reduzida se fosse feita a reforma agrária. Como o sr. rebate esse ponto de
vista?
A visão dos capitalistas e grandes proprietários de terra é a de que a
produção agrícola é apenas para gerar lucros. Não se preocupam com distribuição
de renda, de terra, com produção de alimentos saudáveis. Nem com o futuro do
país. Para os seus objetivos, a agricultura está indo bem. Ou seja, aumentam a
produção, a produtividade e seus lucros.
No entanto, a agricultura deve ser vista como um bem da natureza a serviço de
toda a sociedade, para produzir, em equilíbrio com ambiente, alimentos
saudáveis para toda população, em primeiro lugar. Gerar trabalho e emprego para
todos que quiserem morar no campo.
No projeto deles, eles vão bem, expulsando todo mundo para cidade.
Portanto, precisamos pensar uma nova política agrária, que garanta terra a
todos que quiserem permanecer no campo e condições de produção, priorizando o
mercado interno e alimentos saudáveis. É preciso ter claro também que campo não
é só lugar de produzir, mas também de se viver bem.
Há espaço para uma reforma agrária no Brasil de hoje? Os mesmos
adversários dizem ainda que o tempo de fazer a reforma agrária passou. Que não
se deve repetir experiências de outros países nos séculos 19 e 20, quando
várias reformas foram deslanchadas no mundo. Que o Brasil hoje é urbano e que
não há trabalhadores com histórico na agricultura. Como um pequeno agricultor
pode competir com o grande? Qual é o seu argumento nesses pontos?
A reforma agrária clássica de apenas distribuir terra, feita pelas
burguesias industriais em quase todos países desenvolvidos, não pode ser feita
no Brasil. A burguesia não quis e priorizou um modelo industrial totalmente
dependente do exterior, em vez de ser baseado no mercado interno. Quando o
governo Goulart quis fazer foi derrubado.
Temos 16 milhões de trabalhadores agrícolas no Brasil. Há o problema do êxodo
rural, do baixo poder aquisitivo do mercado interno de alimentos e do controle
da economia agrícola pelas empresas transnacionais.
Defendemos uma reforma agrária de novo tipo, que combine acesso à terra com
implantação de agroindústrias, com universalização da escola e técnicas
agrícolas, que respeitem o ambiente para produzir alimentos sadios.
A turma do agronegócio só pensa na sua conta bancária. O modelo deles é o do
capitalismo americano, sem gente e sem floresta. Lá a população carcerária é
maior do que a população rural. O Brasil precisa de um novo modelo agrícola. Se
esse é o modelo americano ideal, por que não se mudam pra lá?
Nos anos de governo do PT foram feitas várias críticas em relação ao
financiamento do MST. O movimento depende do governo? Há ainda os que afirmam
que essa alegada dependência financeira domestica do movimento, fazendo dele
uma linha auxiliar do governo. O sr. concorda com essa análise? O PT enquadrou,
domou os movimentos sociais?
O governo FHC acabou com os serviços públicos agrícolas, terceirizou ONGs e
empresas, na assistência técnica, na construção de casas, nas escolas.
Portanto, os assentamentos do MST, assim como todos os outros, para acessar recursos
públicos tiveram que fundar ONGs para ter direito a casa, assistência técnica
etc.
A direita e sua imprensa marrom ficaram repetindo que o MST vive de recursos
públicos. Nós defendemos que os serviços públicos agrícolas devem ser uma
tarefa do Estado, com a construção de novos instrumentos para cuidar da
assistência técnica e outras políticas públicas.
A Conab deve ser uma grande empresa pública, que não devia ficar a reboque da
distribuição de cargos entre os partidos.
Você, de sã consciência, consegue imaginar uma ocupação paga por alguém? Ora,
os trabalhadores lutam por acreditar na reforma agrária. Sabem que precisam
lutar com suas próprias forças. Sem isso, não são ninguém.
Portanto, essa cantilena é apenas uma tática de propaganda dos grandes
proprietários e seus servidores na imprensa, que são contra os trabalhadores e
a reforma agrária e querem criminalizar e desmoralizar o MST.
Alguns observadores afirmam que o MST perdeu apoio das classes médias e
urbanas em razão de invasões violentas, destruição de patrimônio. É certa essa
visão? Houve excesso de violência nas ações do MST? Por que o movimento perdeu
apoio?
O MST não perdeu apoio. O apoio do MST é fundamentalmente dos pobres, dos
trabalhadores da cidade. A classe media, além de pequena, é volúvel e
influenciada pelo que sai na imprensa.
A imprensa, sim, mudou. Antigamente, tinha uma postura mais informativa, mas
nos últimos anos assumiu uma postura ideológica de defesa a qualquer custo da
propriedade da terra e dos interesses mais conservadores.
Até porque a maioria dos donos de jornais e televisão também são grandes
proprietários de terra ou têm no agronegócio seus principais anunciantes.
Imagine quantos telefonemas a Coca-Cola e Cutrale precisaram dar para a Globo
se insurgir daquela maneira contra nós, sendo que a terra invadida pela Cutrale
é publica, registrada em cartório como sendo da União. A Cutrale é a grileira,
mas quiseram nos colocar como vilões.
O MST é contra o uso da violência. Nós exercitamos pressão social. Acontece que
a burguesia considera violência quando ocupamos uma terra improdutiva ou
grilada. Quando ocupamos um prédio publico, incompetente, que usa dinheiro
publico sem estar a serviço do povo.
Mas quando a Kátia Abreu grila uma área pública no Estado de Tocantins, expulsa
posseiros, aí se calam, omitem e ignoram. Ninguém da imprensa burguesa deu, só
a "Carta Capital". Ela expulsar agricultores não é violência?
Quais são os êxitos do movimento depois de 30 anos de existência?
Nosso maior êxito é a melhoria das condições de vida de milhões de
brasileiro, que têm consciência critica sobre os problemas da nossa sociedade.
Mais: ter sobrevivido a tantos ataques e à repressão. Só por isso já somos
vitoriosos. Nenhum outro movimento social havia sobrevivido no campo mais de
dez anos na história do Brasil.
Nós recuperamos a dignidade dos pobres do campo. Ajudamos a se organizarem para
se transformarem em cidadãos plenos. Temos militantes que entraram com a quarta
série no MST e hoje estão fazendo mestrado. No plano da burguesia, eles seriam
apenas mais uns boias-frias para colher cana em São Paulo.
Temos escolas de agroecologia, produzimos conhecimento, estamos organizando
agroindústrias cooperativas. Estamos superando o analfabetismo em todas as
áreas de assentamento.
Nos nossos assentamentos, as famílias podem ser pobres ainda. Mas todos têm
casa, trabalham, estão com todos os filhos na escola e têm consciência de sua
vida na sociedade.
Quais foram os erros nessa trajetória? O que o sr. teria feito
diferente?
Nosso movimento é um movimento social, dinâmico, complexo e também tem suas
contradições. Certamente cometemos muitos erros ao longo dessa trajetória. Mas
sempre foram erros coletivos. O MST não depende de uma ou outra pessoa, ou
consultor, ou ideólogo ou livro-guia. Apreendemos estudando com a experiência
dos outros e com nossa prática.
Vamos procurando melhorar a prática, a partir da avaliação permanente e de
forma coletiva de todas nossas atividades e ações. Muitas coisas poderiam ter
sido feitas diferentes. Mas não sabíamos fazê-las melhor antes de fazê-las.
Por que a concentração de terras é tão grande no Brasil?
O censo agropecuário de 2006 revelou que a concentração da propriedade da
terra continua crescendo em todo país. O índice de concentração é maior do que
era em 1920, quando recém havíamos saído da escravidão, com direito exclusivo
da propriedade aos brancos oligarcas.
A razão principal é que o capital tem uma lógica própria de funcionamento, que
vai comprando terra, comprando terra. Cada vez que aumenta o lucro na
agricultura, aumentam os preços da terra e aumenta a concentração. Essa é a lei
do capitalismo.
Temos uma Constituição que determina que, em nome da sociedade, deveríamos
distribuir a propriedade da terra e subordiná-la a uma função social. No
entanto, os governantes dos três Poderes sempre foram muito promíscuos com os
grandes proprietários de terra e nunca tiveram coragem e poder suficiente para
colocar em pratica a Constituição.
No governo Lula houve embate entre ruralistas e a esquerda. Dentro do
ministério e no Congresso, onde a bancada ruralista apoiou o governo. O sr.
acha que essa divisão permanece no governo Dilma? Quem vence essa disputa? Qual
é a força do MST e a dos ruralistas neste governo?
De fato, os latifundiários e o agronegócio foram muito hábeis
politicamente. Eles apoiaram o Serra, nos votos, com dinheiro, mas se dedicaram
a eleger muitos parlamentares e a garantir o ministro da agricultura no governo
Dilma.
Nossa burguesia agrária é lúmpen. Quer ganhar dinheiro sempre mamando nas tetas
do Estado, com financiamentos, com multas não pagas, desrespeito da lei
ambiental e outras benesses.
Mas acho que agora, no governo Dilma, há uma correlação de forças mais pendente
para o campo popular. Como a prioridade do governo é superar a pobreza, não há
como superar a pobreza sem apoiar os pobres para que saiam dessa situação.
Por outro lado, passados esses 20 anos de neoliberalismo, acho que as forças
populares estão recuperando o fôlego e percebendo que apenas as mobilizações de
massa podem exercer uma pressão social para mudanças.
E aumentarão as mobilizações certamente no próximo período. Portanto, espero
que possamos vencer o atraso dos ruralistas, que só pensam no seu lucro.
Qual sua opinião e expectativa em relação ao novo Código Florestal em
debate no Congresso?
O agronegócio está usando o projeto de lei do deputado Aldo Rebelo [PC do
B-SP] para alcançar dois objetivos básicos. Um é não pagar R$ 8 bilhões em
multas que o Ibama aplicou por crimes ambientais.
Em segundo lugar, liberar as áreas de fronteira agrícola da Amazônia e Cerrado
para o capital internacional se apoderar.
A partir desse objetivo básico, o projeto do Aldo se aproveitou do problema que
existe entre os pequenos proprietários, que também não respeitaram a lei e
estão inadimplentes por terem desmatado até o rio, córregos ou topo das
montanhas.
Assim, o projeto dá anistia para todos. E dá direito aos pequenos de não
respeitar as margens de rios e topos de montanhas.
Estabelece que até 4 módulos não precisa ter reserva na Amazônia e no Cerrado.
Acontece que 4 módulos na Amazônia são 400 hectares. Quem tem mil basta dividir
os imóveis em três e ficaria livre para desmatar tudo e legalizar a retirada da
madeira.
Nós defendemos a manutenção do código. O governo tem que cobrar as multas dos
grandes proprietários infratores e não aceitar mais esse calote. E criar um
programa de fomento, em que o governo pagaria para os pequenos agricultores
reporem a floresta nas margens de rios e topo de montanhas, que recarregam o
lençol freático.
Se passar o projeto Aldo, toda a sociedade brasileira pagará um alto preço para
aumentar o lucro de meia dúzia de fazendeiros.
O sr. tem feito críticas em relação ao Incra. Por que o sr. diz que há
loteamento no órgão? Quais são os interesses em jogo?
No governo Lula, assim como em todos os anteriores, os cargos do Incra eram
loteados por corrente política partidária, de todos partidos da base do
governo. O resultado foi um desastre. Imagine o Incra de Goiás sendo
administrado por um dentista indicado pelo PTB? Que aliás foi escolhido, entre
outros, em sorteio. É verdade. Acredite.
Colocaram os nomes dos pretendentes num copo e retiraram. Ora, isso é escárnio.
Nós dissemos ao governo Dilma: moralizem o Incra. Coloquem gente séria,
competente, técnicos com compromisso com a reforma agrária. E espero que ela
cumpra, porque é uma necessidade da sociedade e do seu governo.
Por que o sr. tem condenado o uso de agrotóxicos? Os assentados do MST
não usam esses produtos?
Os assentados usam muito poucos venenos. Talvez algumas regiões do Sul que
usam na soja.
Os agrotóxicos são venenos de origem química, não degradáveis, que matam a
fertilidade do solo, contaminam a água e permanecem nos alimentos que vão virar
doenças nos estômagos. É um problema de saúde publica.
Em Lucas do Rio Verde de Mato Grosso, o veneno está presente até no leite
materno das mulheres, de acordo com estudo médico.
A Anvisa informou que há 20 produtos alimentícios não recomendáveis para
consumo. Mas os consumidores não sabem disso, porque não consta nada no rótulo
ou na embalagem na compra de batata, tomate, pimentão, uva,arroz, óleo de soja
etc.
Por isso, participamos com mais de 50 entidades nacionais, de movimentos
sociais, universidades e pessoas de órgãos do governo, como Anvisa e Fiocruz,
na realização uma grande campanha de conscientização para combater o uso de
agrotóxico.
Desmatamento e transgênicos sempre foram alvos de suas críticas, mas
muitos assentamentos desmatam e usam essas sementes geneticamente modificadas.
Por quê?
Poucos assentados usam sementes transgênicas. Alguns incautos que plantam
soja.
As sementes transgênicas destroem todas as demais sementes, não conseguem
conviver com a diversidade. Só produzem combinadas com uso de venenos. E ferem
a nossa soberania nacional, pois todas as sementes transgênicas são de
propriedade privada de algumas empresas transnacionais, como a Monsanto, a
Bayer, a Syngenta.
Há dez anos havia mais de 40 variedades de soja no RS. Agora só tem a soja
round-up da Monsanto. E os agricultores pagam mais de US$ 100 milhões por ano
de royalties para a Monsanto, que não lhes vende sequer um grão de semente. É
royalty apenas pelo uso.
Nos somamos a centenas de entidades na defesa da uma política de desmatamento
zero. Temos ainda no Brasil mais de 130 milhões de hectares usados pela
pecuária ou não usados que poderíamos incorporar à agricultura sem derrubar uma
única árvore.
O desmatamento só interessa aos madeireiros, especuladores e à meia dúzia de
fazendeiros atrasados, os gigolôs da natureza, como o povo os chama, que querem
enriquecimento rápido, com um custo social altíssimo.
Todos sabemos que os desastres como o que ocorreu na serra fluminense têm
relação com desmatamento e desequilíbrio da Amazônia. Mas quem vai ser
responsabilizado por aquilo?
Qual é o melhor assentamento da reforma agrária e quais são as razões
de sucesso? Qual é o perfil do assentado?
Em cada Estado brasileiro há diversos assentamentos em muito boas
condições.
A razão do sucesso depende das condições objetivas: ter terra boa, proximidade
do mercado, capacidade de colocar agroindústria, acesso a políticas públicas. E
as razões subjetivas. Povo com consciência social, universalização da educação
escolar nessas áreas.
Qual o seu argumento para convencer as pessoas a invadir? Qual o perfil
das pessoas acampadas?
Há diferença entre invadir e ocupar. Os trabalhadores ocupam áreas
improdutivas para pressionar o governo a aplicar a lei da reforma agrária. Por
isso, não é crime. É um direito. E o fazem por absoluta necessidade.
Não houve, em 25 anos de MST, nenhuma fazenda colocada na reforma agrária pelo
governo sem que os trabalhadores tivessem ocupado. Se o governo acelerasse a
reforma agrária, não precisaria ocupar.
Já invadir é o que fazem os fazendeiros, quando se apropriam de áreas públicas,
para ter lucro, beneficio pessoal, objetivando apenas enriquecer. E muitas
vezes fazem até em áreas indígenas, como dezenas de fazendeiros paulistas
fizeram roubando as terras dos Guaranis, em Mato Grosso do Sul.
Nos últimos anos surgiram outros movimentos pela reforma agrária. Por
que há essa divisão? Ela não enfraquece o movimento?
Somos um país continental, com uma população de 16 milhões de trabalhadores
agrícolas. É natural e até necessário que surjam diversas formas de luta, de
organização, de movimentos.
O MST nunca quis ter o monopólio da luta pela reforma agrária. Ao contrário,
quanto mais gente se organizar e lutar melhor.
No entanto, defendemos que os movimentos precisam ter caráter nacional para
atuar melhor na política, na luta de classes e desenvolver a consciência de
classe. Pois se ficarem em nível local, municipal acabam reféns de interesses
eleitoreiros, de políticos oportunistas.
Tivemos poucos casos de dissidência, em que alguns líderes locais quiseram
organizar seus próprios movimentos. Alguns deles foram afastados do MST, porque
sua prática não condizia com nossos princípios.